É preciso esquecer um pouco o petróleo
José Eduardo dos Santos deixa o poder após 38 anos. Como assume o repto de ser o novo Presidente de Angola?
Assumo-o com muita confiança, apesar das dificuldades. Os resultados eleitorais foram bons e o MPLA conseguiu um grande apoio popular. Isso incentiva a prosseguir. Também há grandes dificuldades, a situação financeira é menos boa por causa da queda dos preços do petróleo, mas Angola é um país em paz, um país no qual os cidadãos se reconciliaram e isto é uma vantagem face aos 38 anos em que foi Chefe de Estado o meu antecessor, que durante pelo menos 27 anos governou em situação de guerra. Felizmente, encaro esta nova fase de paz com ânimo. Vamos-nos centrar, fundamentalmente, no desenvolvimento econômico e social do país.
Tendo em conta que o petróleo representa 70 por cento das receitas do Estado e 95 por cento das exportações, qual é o seu plano para recuperar a economia?
Convidar os investidores para Angola, agora em situação de paz, que é uma das bases e pressupostos para atrair investimentos. Vamos trabalhar para criar um bom ambiente de negócios. Por exemplo, vamos modificar a nossa política de concessão de vistos, porque até agora este tem sido um obstáculo para a chegada de investimentos. Além disso, vamos lutar contra a corrupção em todos os aspectos e contra o nepotismo. Depois de vencermos estas batalhas, e vamos vencê-las, vai ser mais fácil trazer o investimento para Angola.
As chaves estão na diversificação e privatização? Quais os sectores em que está a apostar? Tem intenção de privatizar grandes empresas angolanas, como a petrolífera Sonangol?
Diversificar a economia é fundamental e indispensável para o crescimento. É imprescindível abrir a nossa economia e esquecermos um pouco o petróleo. O nosso país, Angola, pode sobreviver, tem mais recursos para além do petróleo. Vamos criar incentivos na agro-indústria. Angola tem uma grande extensão, muitas terras cultiváveis, muita água, um clima muito propício, porque não tem Inverno, e pode ser uma grande potência agrícola, tipo Brasil. Portanto, queremos diversificar o nosso sector industrial, as indústrias de transformação e extracção. Angola tem uma grande quantidade de minerais, alguns importantes, como os diamantes, ouro, ferro. Até agora só se exportava petróleo e diamantes. Também está-se a apostar na pesca. Angola tem uma costa marítima extensa, foi noutros tempos um grande produtor de pescado e marisco, o mar pode gerar para nós recursos para alimentar a nossa população e para exportar. E quero destacar o turismo. Angola tem um grande litoral. Não só queremos trabalhar no turismo de praia, mas também no do interior. Queremos investimentos para criar infra-estruturas e isso vai permitir-nos criar postos de trabalho. Se diversificarmos estes quatro ramos da economia, poderemos resolver um dos principais problemas de Angola, o desemprego, especialmente dos jovens.
E quanto à privatização de empresas, é uma possibilidade que está aberta. Quais?
Não o posso dizer, vamos estudar caso a caso, e isso será feito pelo novo Executivo. Vamos estudar a possível privatização daquelas empresas estatais que são pesos-mortos para o país, que não são rentáveis, que estão a custar muito dinheiro aos cofres do Estado.
A Espanha tem oportunidades para investir em Angola e, inclusive, comprar alguma participação em empresas privatizadas?
Os investidores espanhóis estão convidados a investir nesses sectores e em outros, na indústria, nas pescas, no turismo, e até na defesa. Neste sentido, já foram feitos contactos. Os espanhóis deverão estudá-los para verem em que sectores estão interessados. Cabe-nos a nós ver se esses investimentos ajudam o país e, da vossa parte, se têm o retorno que esperam.
De que tratam as negociações em matéria de defesa?
Fizeram-se algumas coisas, deram-se passos. Estamos no processo de adquirir aviões de vigilância marítima ao fabricante espanhol CASA, estamos interessados em proteger a fronteira Norte, com a República Democrática do Congo e sabemos que a Espanha tem boas soluções e equipamentos em matéria de protecção de fronteiras tanto marítimas como terrestres.
Há outros problemas cruciais: pobreza e corrupção. Como é possível que no segundo país produtor de petróleo de África, com uma riqueza imensa – ainda que tenha vivido uma longa guerra civil –, metade da população viva com menos de dois dólares por dia?
Esses dados não são verdadeiros, não se pode dizer que metade da população angolana, quer dizer, 12,5 milhões de angolanos, vive com menos de dois dólares por dia. Há que pensar que Angola passou por quase três décadas de guerra, não conheço um país que tenha tido um período de guerra tão prolongado, não conheço na Ásia, nem na Europa nem em África. Nós sobrevivemos e durante os últimos 15 anos fomos reduzindo o índice de pobreza, apesar de reconhecermos que continua a existir pobreza. O nosso Governo quer aplicar medidas para resolver problemas de inclusão econômica e social – quer dizer, aumentar a oferta de trabalho, e acreditamos sobretudo no sector privado, pois o nosso Estado não pode ocupar-se de todos os cidadãos. Por isso, apostamos no sector privado, é a solução para o problema do desemprego e queremos criar um sistema de inclusão para os jovens. Pobreza, sim há pobreza, mas não ao nível de que falam essas estatísticas. O que queremos é que os cidadãos possam criar micro, pequenas ou médias empresas. Quanto à corrupção, estamos conscientes que existe, no MPLA reconhecemos e sabemos que é dos maiores males que sofre a nossa sociedade. Durante anos lutamos contra dois males: a guerra, que superamos, pois acabamos com o conflito armado, e resta-nos lutar contra este nível tão elevado de corrupção. O que procurámos, sabemos que vai ser difícil, é chegar a níveis, não vamos dizer aceitáveis, mas que existem a nível internacional. Estamos decididos a combater isso. Há quem tenha dúvidas, mas temos que ter o valor e temos que lutar, porque é a única maneira, além disso, de convencer os investidores a virem para Angola.
Qual é o número oficial de pobreza em Angola, para evitar incorrer em erro?
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Agora, assim, não lhe posso dar um número exacto, mas posso afirmar que nos últimos anos de paz a taxa de pobreza diminuiu muitíssimo em Angola. Nós percorremos o país, vimos, visitamos o interior, a produção agrícola aumentou muitíssimo. Não há tanta fome e investiu-se muito na habitação. Sim, é verdade, há pobreza, mas estamos determinados a trabalhar nisso.
Com tantos anos no poder, Dos Santos foi bom para Angola?
A essa pergunta não se pode responder sim ou não, nem bom ou mau. Há que ter em conta a situação. Ninguém pode realizar eleições em guerra e durante esse período apenas conseguimos fazer eleições em 1992. Depois da paz, em 2002, realizámos três eleições, em 2008, 2012 e 2017. O Presidente, nestas terceiras eleições, decidiu entregar o poder e passar o testemunho, porque durante a guerra não era possível fazê-lo. Em 15 anos de paz, foram três eleições e a Constituição estabelece que o Presidente pode apresentar-se a dois mandatos. Agora decidiu-se que devia ser eu quem devia apresentar-se. Foi mau por causa de um conflito tão prolongado, mas foi bom porque nesse período conseguiram-se muitas coisas: preservou-se a independência e a soberania, evitaram-se duas invasões, uma pelo Norte e outra pelo Sul, acabou-se com o apartheid, ajudando a Namíbia e a África do Sul, acabou-se com o conflito interno de Angola, e por tudo isso, foi bom. Aí estão os factos.
Durante a sua campanha para a Presidência de Angola prometeu manter o bom e corrigir o não tão bom. Crê que pode ser o artífice do milagre económico?
O “slogan” da minha campanha foi corrigir o que está mal e melhorar o que está bem. Isto inclui uma grande humildade, reconhecer que nem tudo está bem e que há coisas que é preciso mudar. E, ao mesmo tempo, dizer que há coisas que foram bem feitas. Os nossos dois Presidentes, António Agostinho Neto e José Eduardo dos Santos, conseguiram, o primeiro, a Independência e o segundo, a paz e a reconciliação. Ambas são conquistas fundamentais. Após a paz, em 2002, fizeram-se muitas coisas, reconstruíram-se muitas coisas destruídas durante a guerra – estradas, pontes. Hoje em dia, há ligações por terra com todos os países vizinhos, excepto, por causa do rio, pelo Zaire. Pelo Norte, as linhas férreas foram reconstruídas... Faltam ligações internacionais porque os países vizinhos não fizeram os investimentos necessários. O Porto do Lobito tem todas as condições para se ligar ao país. Construímos estradas, barragens hidroeléctricas. Eu vou preservar e usar essas conquistas, a Independência, a soberania, a paz, a reconciliação e centrar-me em desenvolver a economia. Angola tem recursos enormes e as condições necessárias para criar um ambiente de negócios que incentive os investidores a virem para o nosso país. Temos as bases, temos que investir na educação, nas pessoas, porque o desenvolvimento económico não é só uma questão de recursos.
É uma transição do marxismo para o capitalismo?
A passagem de uma economia marxista-leninista para uma democracia multipartidária, ou economia de mercado, começou em 1991, quando assinámos os Acordos de Bicesse, em Portugal. É um processo que não se faz da noite para o dia. Nós vamos consolidar esse processo e vamos respeitar as bases da economia de mercado.
Dos Santos mantém-se como presidente do MPLA. Isso significa que o partido vai definir as orientações do Governo? Vai poder governar com independência?
O Presidente José Eduardo dos Santos é uma personalidade muito respeitada tanto dentro do partido como no conjunto da sociedade, e não é anormal que o presidente do partido no poder não seja o mesmo que o Presidente da República. Só para citar um caso, Donald Trump é o Presidente do Estados Unidos, mas não do Partido Republicano. Mas está claro que o MPLA vai influenciar as políticas do Governo porque é o partido mais votado, tem 61 por cento dos votos, não é justo pensar que o MPLA não vai conduzir as políticas do novo governo. Então, quem seria, o partido menos votado? Sem dúvida, o novo Governo vai seguir o ideário do MPLA porque é o partido a quem o povo deu a confiança.
“Cabe aos venezuelanos analisar as causas dos seus problemas”
Afastando-nos de Angola, a Venezuela é outro país produtor de petróleo que também não diversificou a sua economia. O que opina sobre a situação na Venezuela?
Penso que os problemas que a Venezuela atravessa não são apenas económicos. Cabe aos venezuelanos analisar as causas da situação em que se encontram. Mas não é um problema económico, há muitos produtores de petróleo no mundo e nem todos estamos na mesma situação, apesar da descida dos preços do petróleo. Somos todos afectados quando os preços baixam, mas não temos a mesma situação. Não sou eu quem deve falar dos problemas da Venezuela.
Cuba continua a ser um parceiro e um país aliado?
As nossas relações com Cuba continuam a um nível muito alto e vamos continuar a trabalhar para as fortalecer. Estamos unidos ao povo cubano por um sentimento de gratidão, deu-nos a mão num momento crítico, os cubanos derramaram o seu sangue no nosso território e isso não tem um preço. Nós, angolanos, não somos ingratos e vamos continuar as nossas relações com Cuba, vamos continuar a considerá-lo um país amigo, abertamente e de coração, não o vamos fazer às escondidas, nem mais ou menos. Estive em visita aos Estados Unidos e reuni-me com o meu homólogo, James Mattis, e dali viajei para Havana, onde fui recebido pelo Presidente Raul Castro. Talvez no futuro, que não será um futuro imediato, haverá um governo que poderá ser ingrato, mas neste momento não.
Militar formado na União Soviética e jogador de xadrez. Tem o Exército ao seu lado e isso tem muito valor. Os que o conhecem dizem que é reservado e discreto. Diga-me, em poucas palavras, quem é João Lourenço? É muito atrevido chamar-lhe o Gorbachov angolano, o reformador?
Creio que você disse tudo, é difícil falar de mim mesmo. Prefiro que sejam outras pessoas a falar de mim. Reformador? Vamos trabalhar para isso, mas para já, Gorbachov, não, Deng Xiaoping, sim.
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